O conhecimento científico adquirido nas últimas décadas conduziu a um avanço significativo no chamado “estado da arte” da generalidade das valências médico-cirúrgicas. A diferenciação na qualidade dos cuidados prestados aos pacientes ficou-se a dever seguramente ao aparecimento de técnicas e equipamentos médicos sofisticados que permitem diagnósticos clínicos atempados e maior eficácia nas terapêuticas administradas.
A Anestesiologia é uma especialidade médica com atividade hospitalar transversal em diferentes áreas, dispondo na atualidade de técnicas seguras e adequadas à especialidade dos novos desafios.
A “governance” clínica do perioporatório anestésico é da responsabilidade do anestesiologista, que se rege por protocolos aprovados por “consensus” em reuniões internacionais. Assim no pré-operatório a avaliação do paciente deve contemplar o estado físico (classificação ASA (I a V) segundo a American Society of Anaesthesiology) e o estado funcional (história clínica do paciente e estudo pré-operatório). Definido o risco anestésico-cirúrgico passa-se à estratégia anestésica do intra e pós-operatório personalizando-a para cada paciente.
Equipas multidisciplinares experientes e treinadas são determinantes na minimização de riscos inerentes, salvaguardando assim a segurança do paciente (Safe Anaesthesic/ Sedation).
A Cirurgia Estética é uma valência diferenciada e tecnicamente exigente da Cirurgia Plástica, a que habitualmente recorrem jovens mal identificados com a sua imagem corporal, ou adultos para correção de deformidades ou lesões deformantes pós trauma ou neoplasia, ou ainda para reversão dos nefastos e indesejáveis efeitos do envelhecimento ou obesidade. Articula-se com outras valências da estética que contribuem na total recuperação do paciente.
A Cirurgia Estética pode ser considerada uma cirurgia de risco potencialmente minor, por haver um envolvimento quase exclusivo de procedimentos de extensão variável na superfície corporal sem invasão de cavidades anatómicas ou envolvimento de órgãos da economia dos pacientes.
Assim e desde que se verifiquem determinados pressupostos, podemos considerar que em contexto não hospitalar de cirurgia estética, a associação das técnicas de sedação e anestesia local ou local tumescente ser considerada técnica anestésica de eleição. Procedimentos estes que se complementam na diminuição dos estímulos dolorosos, o que se traduz num evidente benefício para o paciente, pois ao bloquear o estímulo doloroso periférico, reduz-se assim o nível de sedação necessária.
Os critérios de elegibilidade dos doentes para a técnica de sedação, assentam em critérios anestésicos, clínicos e sociais de ambulatorização bem definidos limitando-os neste contexto ainda de forma mais estrita a doentes ASA I/II, sem comorbilidades ou patologia minor compensada. Excluem-se os pacientes com estado físico superior a ASA II, polimedicados, com va (via aérea) potencialmente de acesso difícil, BMI>35, cirurgia demorada e sangrativa, e sempre que os posicionamentos cirúrgicos interfiram com a eficácia na dinâmica ventilatória, e assim representar um risco potencial para os pacientes.
Fatores de caráter individual, como os que descreveremos influenciam definitivamente na escolha desta técnica. Trata-se, pois, de pacientes jovens e saudáveis propostos para cirurgia eletiva minor que apresentam frequentemente renitência na aceitação de outras técnicas anestésicas mais invasivas, pois pretendem retoma rápida e sem restrições de normal atividade e ainda por considerarem a Anestesia Geral um risco elevado tendo em conta experiências negativas anteriores.
A sedação anestésica tem como objetivos a indução de um estado de hipnose com diminuição variável do grau de consciência, complementada com analgesia, ansiolíse e amnésia de maior ou menor intensidade (deep or moderate sedation). A anestesia local tumescente, obtém-se injetando um volume apreciável de Lidocaína na dose de 45mcg/Kg diluído em soro fisiológico que produz uma anestesia local profunda e duradoura de pele e gordura subcutânea. Associa-se epinefrina com intenção de prolongar a ação analgésica e reduzir os efeitos sistémicos da Lidocaína.
Não havendo um fármaco ideal para atingir um grau de “sedação cirúrgico desejável”, recorre-se ao uso de fármacos com mecanismos de ação diferentes, aproveitando algum sinergismo de ação na obtenção de um nível ideal e personalizado de sedação.
Os fármacos administram-se de acordo com o peso e idade do paciente, em “bolus” endovenosos repetidos ou de modo contínuo em seringa infusora, com o objetivo de manter níveis plasmáticos terapêuticos estáveis. Assim previnem-se os riscos de hipo ou hipersedação e as consequentes reações adversas que podem ser um dos fatores de aumento da morbimortalidade perioperatória.
Após validação anestésica da proposta cirúrgica, o anestesiologista deve informar o paciente sobre a técnica anestésica, esclarecer eventuais dúvidas e desvalorizar mitos e convicções responsáveis de “medos” injustificados. Cabe ainda ao anestesiologista tranquilizar os pacientes, garantindo-lhes sedações seguras, controlo eficaz da dor, ausência de “awareness”, acordares confortáveis e recobro rápido das funções cognitivas e mentais. Esta atitude reduz a ansiedade habitual perante o desconhecido do ato anestésico e as suas possíveis intercorrências.
As “Escalas de Sedação” definem graus de sedação que devem ser monitorizados por sinais clínicos, “scores de sedação” que deverão ser alvo de vigilância contínua clínica e instrumental.
Seja qual for o tipo de sedação, a monitorização dos parâmetros clínicos é obrigatória e definida por protocolos internacionais. Assim, eletrocardiograma (ECG) contínuo com deteção de arritmias, frequência cardíaca (FC), frequência respiratória (FR), pressão arterial não invasiva (NIBP), oximetria do pulso (Sa O2 %), curva de análise de dióxido de carbono expirado (Et CO2), são os parâmetros clínicos mínimos a monitorizar e devem ser objeto de vigilância contínua.
Podemos considerar que em Cirurgia Estética, a técnica de sedação e anestesia local com tumescência apresenta vantagens em relação à Anestesia Geral, desde que se verifiquem os critérios referidos na seleção dos doentes. Esta técnica permite níveis de segurança elevados e boa exequibilidade cirúrgica, doses farmacológicas menores e consequentemente redução das ações adversas, manutenção de eficácia na dinâmica ventilatória, sem invasão da via aérea e risco de infeção respiratória, dispensa o uso de relaxantes musculares e de ações nefastas destes fármacos. Esta técnica é também do agrado dos pacientes e da equipa cirúrgica dada a possibilidade de acordares rápidos e altas precoces, sem internamentos desnecessários, o que permite reinserção familiar, social e profissional muito mais precoce.
Os bons resultados dependem da experiência do anestesiologista e equipa, da correta avaliação e seleção dos pacientes, do grau adequado de sedação, da vigilância dos parâmetros, bem como do controlo de dor, infeção e emese.
No recobro/UCPA, o pós-operatório imediato deve garantir analgesia adequada, estabilidade cardiovascular, eficácia ventilatória e recuperação mental superior. Após a validação dos critérios pré-estabelecidos de alta para o domicílio, dever-se-á manter contacto no pós-operatório imediato nas 24/48 horas seguintes, para deteção e correção de eventuais complicações.
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