“Este acessório vital de proteção que são as máscaras, usadas em qualquer ambiente social de interação, acabam por estar a esconder também, muitos problemas de dentição dando assim uma falsa sensação de bem-estar e ajudando, no caso de muitos, a procrastinar a ida ao dentista”.
Na realidade atual, o uso de máscaras faz parte da responsabilidade coletiva para o combate à pandemia.
Em termos psicológicos, face à ameaça do vírus, o seu uso aumenta o sentimento de segurança e controlo e funciona como mecanismo de defesa contra a ansiedade, aumentando a coesão social.
No plano da comunicação interpessoal – da máscara teatral grega às máscaras alongadas com forma de bicos de pássaros, usadas pelos médicos durante a Peste Negra na Idade Média, às máscaras antipoluição vulgarizadas na cultura japonesa, para não falar nas culturas árabes onde os niqabs e burkas são obrigatórios -, a ausência da visualização das expressões faciais é um facto, uma consequência intencional ou involuntária, que só é colmatada por uma atenção a outros sinais, nomeadamente a expressão do olhar.
Na minha prática como dentista, há já uns anos que opto por substituir a máscara por viseira transparente, porque considerava que a máscara tradicional, tapando a expressão facial, não potenciava a interação necessária com os meus pacientes e, desta forma, deixando a face a nu, transmitia maior confiança e empatia.
Na nova “normalidade”, são os pacientes que nos chegam de máscara e não deixo de notar eu nessa proteção necessária, uma quebra na comunicação deixando-me a adivinhar, pela gesticulação, pelo uso de sobrancelha e pelo olhar, o estado de ânimo dos pacientes e a verdadeira expressão das suas preocupações. Da mesma forma que não reconhecemos às vezes, à primeira vista, um vizinho no prédio ou um amigo que passa na rua.
É uma nova realidade que aprendemos a contornar para que não nos distanciemos do lado mais humano. Se a máscara não nos deixa ver um sorriso que transmite calor e afeto, aprendemos a traduzi-lo por uns tracinhos franzidos no canto dos olhos e juntamos as mãos em sinal de agradecimento.
Este acessório vital de proteção que são as máscaras, usadas em qualquer ambiente social de interação, acabam por estar a esconder também, muitos problemas de dentição dando assim uma falsa sensação de bem-estar e ajudando, no caso de muitos, a procrastinar a ida ao dentista.
“Olhos que não veem, coração que não sente”, mesmo que haja desconforto (e a verdade é que há, uma moinha num dente, uma gengiva que sangra), assim encontro muitos pacientes que escudaram nos últimos meses falta de dentição, fraturas e problemas de infeção nos dentes e gengivas com a “privacidade” de uma máscara.
A barreira física, que é vital para nos protegermos do vírus acaba por funcionar como uma muleta para “varrer para baixo do tapete” problemas que não deveriam ser negligenciados.
A este problema de camuflagem, acresce ainda que o próprio uso de máscaras, principalmente para os que na sua vida profissional são obrigados a usá-las em permanência, tem feito agravar os problemas orais, nomeadamente o surgimento de cáries e problemas gengivais. Se para muitos, a máscara traz este problema novo, para os que a usam para esconder fragilidades, agrava substancialmente o estado de saúde da boca. Já surgem, inclusive, referências ao fenómeno como “mask mouth” (boca de máscara).
Esta designação é inspirada no nome “meth mouth” (boca de metanfetamina) pelas consequências devastadoras que os seus dependentes apresentam na saúde oral, caracterizadas por cárie dentária severa e doença gengival, que frequentemente faz com que os dentes partam ou caiam.
Crê-se que o uso da máscara prolongado aumenta a respiração pela boca, em detrimento da respiração nasal, causando secura resultante da diminuição de saliva. Ora, tendo a saliva propriedades antibacterianas e de neutralização da acidez, a sua diminuição proporciona a colonização bacteriana e inflamação gengival.
No consultório, tenho constatado um aumento de doenças nas gengivas e cáries, em franco crescimento desde o início do uso de máscara.
Estes problemas, a manifestarem-se, não devem, pois, ser “mascarados” e exigem consulta no dentista.
Alerto para o facto de que a doença gengival – ou doença periodontal – acabará por levar a um risco aumentado de ataques cardíacos.
Um dos sintomas para o qual chamo a atenção é o mau hálito.
Se por um lado, a máscara também faz a barreira para o outro, as pessoas que a usam ganham consciência do seu hálito e, nesse sentido, tornam-se, desejavelmente, mais atentas à sua higiene oral, pois o mau hálito do próprio não se mascara, mas pode e deve ser tratado na sua origem, mesmo em épocas de pandemia. Na vida há sempre uma altura em que temos que tirar a máscara e enfrentar os problemas, neste caso específico, deve sempre cuidar da sua saúde oral.
Artigo original aqui